quarta-feira, 30 de abril de 2014

Mistério: cortina de fumaça.

     Conversa vai, conversa vem, sempre uma delas desemboca nas dificuldades do mundo e do Brasil, que não é mais o sonho -de - consumo de estadunidenses e europeus. Outra conversa divaga sobre nuvens espessas de campeonatos de futebol. Tudo muito previsível, nenhum mistério. Porém, no fechar os olhos cansados da noite, alguém sempiterno suscita um tiquinho de mistério a temperar o começo da madrugada.
     Mistério: cortina de fumaça, véu anuviando nosso entendimento...
     Seria a vida um mistério ou mistério impermeável é a morte?  Esta, uma emblemática senhora vestida de negro a segurar enorme foice aguarda impaciente sua próxima vítima ou - quem sabe?- alguém que a saiba amiga. Ela nos lembra que é preciso não ter pendências, não adiar as coisas, sobretudo as da alma. Constantemente, ela espreita atrás da porta. Aguarda sem pressa; sabe que o tempo é seu aliado. Esta figura abstrata, sinistra até humilde para alguns se contrapõe à senhora Vida. Símbolo de Vida? Pode ser luz, alvura azulada, o sol mesmo, tudo isso é símbolo de Vida. Mas explicá-la quem pode? Nasce alguém, em madrugada gelada, dentro de um iglu confortável. Na mesma hora, nasce outra pessoa num país tropical,cuja temperatura local é de trinta e nove graus, dentro de um barraco, onde a carência total chora de todo lado. Ambas estarão prensadas entre o nascer e a derradeira hora; ambas levarão vidas semelhantes; sofrerão alternadamente. Também ganharão bocados de felicidade, dependendo do olhar de cada uma sobre o mundo. Mistério da consciência humana. Aquela caminhará sobre difícil estrada; esta trilhará caminho fácil, materialmente, com muitas lágrimas de perdas, de apertar o coração. Uns cumprirão suas metas. Outros serão ceifados muito cedo, no alvorecer de seus dias. Pouco ou nada sabemos do como e do quando daremos adeus e seguiremos a senhora vestida de luto. Isso é mistério. Viver é correr riscos. E morrer? O que será o morrer?
     Lá pela década de setenta, ouvíamos curiosos as notícias de que aeronaves e navios desapareciam como passe de mágica, desde 1945 sem deixar vestígio algum. Tinham marcado como um triângulo imaginário o centro do oceano onde tal fenômeno ocorria com frequencia. Um ponto próximo a Miami marcava a posição sudoeste deste triângulo; Bermuda marcava o ponto norte e Porto Rico o sudeste. O espaço compreendido entre esses tres pontos chamou-se " Triângulo das Bermudas."
Minha comadre nordestina cre piamente que todos esses desapareimentos misteriosos aconteceram a pessoas altamente espiritualizadas que teriam sido arrebatadas ao céu, conforme citação bíblica. Outras teorias falavam de alienígenas ou que ali existia um portal do espaço. Certamente tinham visto muitos filmes duvidosos de ficção. Especulações para o mistério não faltaram. O tempo cumpriu seu itinerário e navios e aviões devem ter procurado nova rota de tal forma que havia muito tempo não se escutava mais do mistério de o mar sugar enormes embarcações e esquadrilhas inteiras, sem deixar rastro!
     Então, agora ouvimos que faz já um mes que o Boeing 777 da Malaysia Airlines está desaparecido sem esperança de que seus destroços sejam encontrados. Seria outro " Triângulo das Bermudas" em nova versão, no Oceano Índico? É atentar bem sobre o provável local do ocorrido e aguardar se novos sumiços ocorrerão.
     Ontem, meu neto me ligou. Sua voz de criança, nos seus seis anos incompletos, era puro júbilo. Seu primeiro dente havia caido e, certamente, a misteriosa Fada - do - Dente passaria por lá para fazer a troca: levaria seu dente e lhe daria um presente. Insistiu que eu fosse lá para ver esta coisa surpreendente e inexplicável que era ter um vão no lugar onde havia um dente! Ali, bem na frente. Algo fantástico! Fui lá. O menino estava maravilhado. Mirava- se no espelho e aquela imagem que via não era ele mesmo. Era outra pessoa muito diferente. Esfregava o dedo naquele vazio avermelhado, como se procurasse uma explicação para o mistério! Haveria já ali por baixo outro dente prontinho para aparecer? Viria logo ou agora era seu momento de curtir uma situação diferenciada, de pertencer ao novo grupo de banguelas? Aquele privilégio era, afinal, para poucos em sua classe de colégio.
     Assim, é que cada um de nós tem seus próprios mistérios. Mesmo que o mistério seja apenas a queda do primeiro dente - de - leite, a feitura do algodão - doce ( aparece no ar e some na boca, sem ser mastigado) ou uma estrelinha - símbolo da bisa que foi morar no céu - até um duende de jardim. Basta o olhar atento ao andar pelo mundo porque os mistérios estão por toda parte.    

sábado, 12 de abril de 2014

Sobre uma criança

A frágil criança -
que medrava na dor
e desalento -
era, neste momento,
robusto carvalho,
sob o orvalho,
de vaga melancolia,
sem medo da tempestade,
pulando com euforia,
sobre ciladas de falsidade.
Segue, na vida,
um caminho de pedra e lama;
ouve a voz de Deus
que a chama
e aguarda sua resposta.
Nenhuma regra imposta.
Só o amor importa.