quinta-feira, 19 de março de 2015

Imorredoura Saudade

Homenagem a Itajubá que aniversaria em 19 de março


Quando eu aqui vivi, querida Itajubá,
dançavas ao som das fanfarras,
cantavas nos pios de pardais
e na algazarra de cigarras, agarradas
às mangueiras da casa rosada
do saudoso Presidente,
na melancolia das tardes de outono...
Chamavas e choravas na cadência
dos sinos das igrejas...
Quando me separei de ti, Itajubá,
minhas retinas feri, na rotina itinerante
de buscar o azul exuberante
da Mantiqueira
e a sonolência do Sapucaí, serpeando
entre chorões e guanxumas...
Coisas que a vida já não me traz.
Meu sonho hoje se compraz
nesta robusta tristura, que triunfa
aninhada no relicário de meu coração:
noites geladas, névoa na montanha,
prosa alegre, pastel de milho, pinhão...
Então, voltei, Itajubá.
No Santuário da Virgem d'Agonia,
extática orei, em tamanha euforia!
Era o céu unido à terra,
o casario, o rio e a serra.
Tudo envolto no dourado do sol,
criando em mim,
imorredoura saudade!

terça-feira, 3 de março de 2015

Tempos Sombrios

Há uns dois anos, aproximadamente, minha afilhada do sertão mineiro, vindo visitar-me contou-me de seu entusiasmo ao ler " Cinquenta Tons de Cinza" - de E. L. James, pseudônimo de Erika Leonard James. Tentando entender seu entusiasmo, quis saber sobre do que se tratava. No entanto, minha afilhada, apesar de seus trinta e dois anos e um diploma universitário, disse sentir- se constrangida ao falar sobre o assunto. Desconversou quando lhe pedi o tal livro emprestado. Fiquei a imaginar e ri com meus botões refletindo sobre o pudor, talvez um respeito exagerado por mim. Não dei muita atenção ao fato, porque tenho verdadeira pilha de bons livros a serem lidos ou relidos. Pois costumo revisitar Teillard de Chardin, Tolstoi, Victor Frankl, Drummond, João Cabral de Melo Neto, a Bíblia e tantos outros cuja digestão me alimenta a alma e me faz mais forte.

O tempo seguiu seu curso e naqueles dias de fevereiro, durante o carnaval, me surpreendi, vendo em um canal de TV, uma verdadeira turba, que se apertava na porta de uma sala de cinema, onde assistiriam ao " 50 Tons de Cinza" agora, feito filme. Ali, percebi senhoras de meia idade e jovens; algumas com seus companheiros, maridos, namoridos ou namorados, outras muitas sós. Estampavam ares de vitória, transgressão ou certo recato. Acendeu-me a curiosidade. Afinal, minha afilhada é interiorana, mas esta turba era de São Paulo! Tinha ouvido que a senhora James estava rica com a venda de tantos exemplares. E, vendo a aceitação de sua obra, escrevera mais dois volumes - dando a um deles o " ton negro" e ao terceiro um clima de liberdade.

Fui ao cinema sem expectativa alguma. Vi senhoras, na casa dos sessenta ou setenta, eufóricas, com seu pote de pipocas e seu copo de refrigerante, cada uma, como adolescentes, naquelas filas, nos anos sessenta, lá no Sul de Minas! E se juntavam, gesticulando muito, rindo, falando alto...Foi com muita paciência que eu e meu marido conseguimos comprar nossos ingressos. Temos uma rotina semanal de ir ao cinema e, quase sempre, as salas estão bem vazias. Naquele dia, foi difícil conseguirmos duas cadeiras juntas.

O filme, para nós, foi muito fraco. Não era história romântica, não era pornografia nem drama. Bom, era a filmagem de cenas sadomasoquistas. Não sou cineasta nem crítica de arte. Falo só do que senti e percebi. A diretora, Sam Taylor Johson ( mesmo sobrenome da protagonista Dakota Johnson) não conseguiu passar-me verossimilhança em cena alguma. Aliás, pode ser que tenha seguido à risca o que a autora escrevera...

Ali, durante o filme, eu esperava que " algo" muito especial acontecesse, que justificasse o sucesso do livro. E me irritava com meus próprios questionamentos: estamos no século 21; a jovem é de último ano de universidade...Ser virgem vá lá. Mas não ter " ficado" com alguns garotos, nas festinhas que sempre rolam naquelas faculdades!? A moça tinha cara de caipira - certo me dirão - era o jeito de sua personagem. Mas não é isso que questiono; minha questão é que não se juntam:- uma moça assim, bem ingênua, ir aceitando as investidas do bonitão, sem mais nem menos. Não conseguiria ler este livro. Não pelas taras que apresenta, mas porque trata seus leitores como idiotas! Já vi historinhas em que a moça é atropelada por um milionário e logo ao ser socorrida se apaixona por ele. Depois, o magnata vai visitá-la no hospital e daí ao casamento é meio capítulo ou duas páginas. Tem algo a ver com aquela baboseira dos vampiros bonzinhos - Crepúsculo, Amanhecer etc e tal. O filme foi cansativo, chato mesmo. E poderão pensar que eu desejasse ver mais cenas de desvios sexuais. Não. Penso que trabalharam mal mesmo. Problema de direção ou do conteúdo do livro.

Fico a pensar  do que E.L. James vai encher seus livros. Os tons mais escuros do segundo volume vão-se aprofundar nas práticas sadomasoquistas. Se a moda pega, veremos a euforia de livros versando sobre pedofilia - mesmo neste filme ( que retrata o livro )  ouvimos que o senhor Grey foi abusado desde os 15 anos  até adulto por uma amiga da mãe. Recordo-me de um filme em que Michele Pfeiffer é uma como prostituta da Corte, encomendada pela mãe do jovem para introduzí-lo nos mistérios do sexo. Mas, sem taras. Lembro-me também de que o livro Lolita, andava pelas mãos das adolescentes, minhas colegas de classe mais levadas, logicamente escondido dos pais e das freiras do colégio. Algumas delas não terminaram o curso colegial - engravidaram-se e se casaram. Nós, sim, naquele tempo, éramos bobinhas e casávamos virgens. Algumas, mais libertas, avançavam o sinal. Seria lá atrás o golpe da barriga?

Não pretendo ler estes dois volumes que engordarão os cofres da senhora James. E, se for a mesma diretora a realizar os filmes e esses dois atores, seria perda de tempo tentar conferir. Dizem que Sam Taylor, a diretora, foi criada numa comunidade hippie e a mãe era divorciada. Hoje, muitos filhos pequenos tem pais separados,sem problemas. Mas, morar em comunidade hippie já é outra coisa. Hoje, com filhos adolescentes, tem um marido 27 anos mais jovem que ela. Será isso ou eu entendi errado?

Creio mesmo é que vivemos Tempos Sombrios: nem pretos nem brancos. Tempos sujos pela confusão e maldade. Tempos escuros, em que as taras, em vez de serem assunto de clínicas psiquiátricas se tornam papos de salas - de - visitas. E muitos jovens alienados pensam que, se não lerem estas estorinhas estarão fora do sistema! Logo pensarão em praticar tais desvios em seus relacionamentos, um tanto desgastados pelo pouco investimento mútuo. Outros, pela frustração do sexo feito apenas em quarto escuro sob as cobertas ou nem isso...E o amor? Onde andará o amor? O tal Grey foi logo falando que com ele não haveria amor. Foi sincero. E a mocinha - universitária do século 21- foi cegamente se entregando sem amor (!?). Se ao menos o perfil dela fosse de uma devassa! Eu, pelo que vejo hoje, ela até poderia ir de olhos bem abertos na fortuna do cidadão.

Tempos tristes os de hoje. Sujos como água barrenta, por isso, Tempos Sombrios!