sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Ainda Sobre Crianças

Nunca gostei de datas marcadas em calendário oficial, para se homenagear os pais, as mães, avós, crianças e mais uma infinidade de títulos, aguardando um abraço, um elogio, talvez um presente.

Criaram um dia - 12 de outubro - para pensarmos, presentearmos, abraçarmos e beijarmos nossas crianças como se isso não devesse ser algo natural, como o rio que corre para o mar; como o fogo, que  ateado deve queimar. Se tenho crianças sob meus cuidados, filhos ou netos, diariamente é meu ritual beijá-la, de manhã, convidá-la a se lavar, ajudá-la na escovação dos dentes, penteá-la e estimulá- la a observar o belo dia que se inicia. Depois, preparar-lhe o desjejum. Os muito pequenos exigirão bem mais  de minha atenção, com múltiplos mimos: amamentar, ou dar mamadeira, trocar-lhe as fraldas, cantar e ninar para fazê-la dormir...

 Quanto aos  maiores, precisarei orientar suas tarefas escolares e levá- los a outras atividades complementares, tais como jogar tênis, ou futebol; natação ou balé... O relógio segue correndo e a mãe ou o pai, gastam a porção de seu descanso, realizando a mais digna função do amor. Sobram ainda o dentista, aulas de idiomas ou de matemática. A escola bíblica ou catecismo e o piano. Aparar os cabelos e comprar algumas roupas ou cartas de Pokemon também entram na rotina. Darei a esta criança grande parte de meu tempo, cuidando dela desde o nascer ao pôr - do- sol.

O amor me exigiu brincar com minhas crianças de muitas maneiras:
Dramatizei muita estória, sobrando para mim sempre o personagem malvado: já fui o Lobo, a Bruxa, a Fera...Também já me fiz de fraca para me pegarem no Pega - Pega e me arrastei pelo chão a me esconder sob camas ou segurei o riso ou a respiração, atrás de portas ou cortinas. Já brinquei de fazer comidinhas, em lindas panelinhas, fingindo comer o sanduiche de feltro que imita pão, salada e carne! Lembro- me de ter caminhado pela sala, com joelhos e mãos no chão e uma criança sentada, nas minhas costas, como se cavalo eu fosse.  Já cantei muito com crianças, mesmo sendo completamente desafinada. Joguei bolinhas de gude com meninos e pulei corda com meninas. O " jogo - da - velha" envolvia meus netos que vibravam quando vovó distraía e eles ganhavam, com a coluna de tres cruzes ou tres círculos.
Joguei boliche e bola - ao - cesto, errando de propósito, para que a minha criança se sentisse feliz e competente. Empurrei carrinho e contei muita estória clássica e outro tanto retiradas de minha tulha mental. Desenhamos e recortamos e colamos muitas figuras...

Há uma festa especial pelo seu aniversário e o Natal. E as chegadas de viagens de avós, tios, amigos e  padrinhos: em todos esses momentos, a criança recebe seu presente, simples ou pomposo.

Tem sempre alguém que a ama para colocá-la a dormir, sobre plumas, em uma cama ou berço, num quarto arejado, protegida de todo mal.

Certa amiga concluiu que falo muito sobre crianças maltratadas; disse que exagero, que não é tanto assim. Ponderei que acontecem amarguras na vida de dezenas de crianças das quais nunca falei. São crianças sequestradas, não se sabe com quais propósitos; crianças, recém - nascidas, jogadas no lixo ou no mar; crianças muitas, na rua - abandonadas ao vício; desesperançadas; outras tantas abusadas, torturadas em suas próprias casas...

Por isso, sempre terei um poema em homenagem a esses anjos, mutilados no corpo ou na alma. Por isso, meu poema denso, duro de assimilar poderá levar malvados à reflexão transformadora!

Crianças de Rua

Mais crianças na rua!
Acordam com o caminhão do gás;
dormem cobertas pela lua
e sonham sonho fugaz...

Mais...Muito mais bebês na tua
porta deixados, aliás
pela pobreza crua
que a ignorância traz.

Pequeno do lazer o momento,
sem família nem pão.
Permanente do abandono, o lamento!

Leva-os a Deus a oração,
cheia de amor e quebrantamento,
sem vaidade ou hesitação...

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Quase Rotina

Não é toda noite que perco o sono. Apesar de madrugadora, estou sempre a prometer que escreverei durante o dia, logo após a caminhada. E, quase toda noite, as horas passam correndo por mim, que abro mil janelas, na Internet; abro-as também em meus diretórios e vou fechando-as vagarosamente até que meu velho relógio de parede entoe badaladas frágeis, tão cheio de anos e cansado está, como eu mesma. Alguém, do lado de lá do meu computador, tem como função avisar-me que " fulana ou beltrana atualizou seu status"! Diz que " você está perdendo muitas histórias!" Se, num piscar de olhos, num cochilo mínimo, aperto a tecla do facebook, adeus escrita; é o enterro de boas reflexões, no mínimo um repousar mais calmo. E, minhas santas amigas, na boa intenção, postam o bolo que fizeram sem usar ovo ou o caneco de chopp - é isso mesmo? Não consigo inspirar-me vendo um caneco de cerveja até nesta primavera com cara de verão! Há coisas interessantes e notícias dos amigos. Mas, o tempo é excludente; se você aceita a pilula dourada das redes sociais, estará desistindo do alimento da sua alma. Para mim, escrever é como o ar que respiro.

Por tais atalhos da distração e outras sombras veladoras do foco, minha imaginação degola os vigilantes da disciplina. A partir daí, leio a Folha, o El País, o Le Monde...Dou uma espiada no Times e sigo até as notícias do Vaticano. De repente, saio da armadilha da curiosidade e já as horas se desvaneceram; sumiram nalgum vão enegrecido da madrugada. Desisto, então, e prometo que amanhã será diferente...

Perdido o sono que zomba de mim em gargalhadas, fico curtindo o brilho alaranjado de lembranças de minhas crianças bronzeadas. E estas memórias se envolvem em saudade de um tempo em que a dos cachos - cor - de - mel distribuia seus dias entre tubos- de- ensaio e cadinhos, dançava em requebros de braços e pernas, em aulas de dança e sobre o azul da água da piscina ou se lançava sem medo, sobre as barras da ginástica. A outra, com sua enorme e farta franja curtia dedilhar seu violão, quase de seu tamanho, de criança de sete anos. Segurando minhas pesadas pálpebras, caminha sobre meu travesseiro o menino travesso que já não sobe mais em árvores nem se arrisca a nadar no lago do clube. Essas robustas imagens saudadeiam minha emoção e se derramam em gotas ardentes. Não é de tristeza que as lágrimas me socorrem. Desde muito tempo, minha alegria é molhada. Pois quando tive muita dor, chorei por dentro e só os olhos de minha alma ficaram vermelhos.

Tentarei correr para o leito; agarrarei o sono com determinação, agora que ele se anuncia cobrando o tempo que ontem lhe foi roubado. Para que a insônia não seja minha quase- rotina.