sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Quase Rotina

Não é toda noite que perco o sono. Apesar de madrugadora, estou sempre a prometer que escreverei durante o dia, logo após a caminhada. E, quase toda noite, as horas passam correndo por mim, que abro mil janelas, na Internet; abro-as também em meus diretórios e vou fechando-as vagarosamente até que meu velho relógio de parede entoe badaladas frágeis, tão cheio de anos e cansado está, como eu mesma. Alguém, do lado de lá do meu computador, tem como função avisar-me que " fulana ou beltrana atualizou seu status"! Diz que " você está perdendo muitas histórias!" Se, num piscar de olhos, num cochilo mínimo, aperto a tecla do facebook, adeus escrita; é o enterro de boas reflexões, no mínimo um repousar mais calmo. E, minhas santas amigas, na boa intenção, postam o bolo que fizeram sem usar ovo ou o caneco de chopp - é isso mesmo? Não consigo inspirar-me vendo um caneco de cerveja até nesta primavera com cara de verão! Há coisas interessantes e notícias dos amigos. Mas, o tempo é excludente; se você aceita a pilula dourada das redes sociais, estará desistindo do alimento da sua alma. Para mim, escrever é como o ar que respiro.

Por tais atalhos da distração e outras sombras veladoras do foco, minha imaginação degola os vigilantes da disciplina. A partir daí, leio a Folha, o El País, o Le Monde...Dou uma espiada no Times e sigo até as notícias do Vaticano. De repente, saio da armadilha da curiosidade e já as horas se desvaneceram; sumiram nalgum vão enegrecido da madrugada. Desisto, então, e prometo que amanhã será diferente...

Perdido o sono que zomba de mim em gargalhadas, fico curtindo o brilho alaranjado de lembranças de minhas crianças bronzeadas. E estas memórias se envolvem em saudade de um tempo em que a dos cachos - cor - de - mel distribuia seus dias entre tubos- de- ensaio e cadinhos, dançava em requebros de braços e pernas, em aulas de dança e sobre o azul da água da piscina ou se lançava sem medo, sobre as barras da ginástica. A outra, com sua enorme e farta franja curtia dedilhar seu violão, quase de seu tamanho, de criança de sete anos. Segurando minhas pesadas pálpebras, caminha sobre meu travesseiro o menino travesso que já não sobe mais em árvores nem se arrisca a nadar no lago do clube. Essas robustas imagens saudadeiam minha emoção e se derramam em gotas ardentes. Não é de tristeza que as lágrimas me socorrem. Desde muito tempo, minha alegria é molhada. Pois quando tive muita dor, chorei por dentro e só os olhos de minha alma ficaram vermelhos.

Tentarei correr para o leito; agarrarei o sono com determinação, agora que ele se anuncia cobrando o tempo que ontem lhe foi roubado. Para que a insônia não seja minha quase- rotina.
 

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