segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Marias, o Neco e divagações

Neste vinte e quatro de janeiro, próximo sábado passado, faleceu a grande atriz Maria Della Costa - encurtamento de um longo e pomposo nome - aos oitenta e nove anos de idade. Bastantes anos, tenho que admitir. Esta Maria levou-me a lembrar outra Maria, muito mais íntima e muito mais amada. Da Maria atriz nem me lembro muito bem. Contudo, ao ouvir de seu falecimento, fui transportada a 1968, quando a Maria, minha mãe muito amada, assistia à novela Beto Rockfeller, da TV Tupi. Como algumas pessoas que conheço, minha mãe levava as novelas a sério. Então, Maria Della Costa vivia uma " socialite " muito rica e linda que se apaixonara por um pobretão inculto, porém charmoso.
A fórmula era a de sempre, só que na maior das vezes o homem é o rico, o príncipe encantado que se apaixona pela mocinha pobre. Às vezes, o primeiro encontro foi quando ele a atropela com seu luxuoso carro. Ela não se machuca, mas acontece a paixão à primeira vista.

Minha mãe ficava ansiosa para ver o próximo capítulo da novela. Falava com as vizinhas como se a personagem Maitê - vivida por Della Costa - fosse real; de carne e osso e se apaixonara pelo garotão sem tostão. Havia uma melodia de fundo, talvez o tema de Maitê e de Luis Gustavo, cujo nome na dita novela não sei agora, devia ser Beto Rockfeller! Penso que era uma música dos Beatles.

Então, desde domingo e ainda hoje, me vi  lá em 68, só ouvindo de longe, porque não curto muito novelas, minha saudosa mãe a comentar com meu pai aquela trama toda. E me vieram sentimentos muitos, desde nostalgia ( ah! nossa herança da alma portuguesa!) até uma pitada de remorso por não ter partlhado muito mais meus pensamentos e sentimentos com ela. Coisa que acontece a todos os viventes: depois que sofremos a perda, ruminamos uns "por que?" Por que não a visitei mais vezes? Por que não os levei a viajar? Por que não rimos muito mais? E, mesmo que tenhamos feito o nosso melhor, se temos amor, ainda julgaremos que poderíamos ter feito mais...

Nessas divagações noturnas, perturbadas pelo calor, refleti nas emoções densas que mexeram com muitos de minha casa; sentimentos de negligência, descuido até falta de amor em torno da morte do Neco. Foi uma grande perda apesar de ele ser apenas um simpático e cantante passarinho. Este calopsita estava conosco havia uns oito anos. Viera muito jovem e foi dado como presente para meu marido. Este lhe ensinara assoviar a melodia interpretada por Gal Costa -  " Teco- Teco- Teco". Neco a cantava inteira, com os graves e agudos, fazendo toda a sinuosidade que a melodia exigia. Tal registro não acontecera da noite para o dia. Foram muitos meses para ele memorizar a primeira parte e outros tantos meses para gravar a segunda. Depois, emendaram-se as duas partes. E isso era um espanto para quantos o ouviam e viam nessa apresentação. Neco parecia entender que era o centro das atenções. De lambuja dava uns " fiu...fiu!.." Nossos netos se encantavam com aquela avezinha de  corpo acinzentado, rabão longo, pontas de asas brancas e penacho com luzes amarelas. Tinha ainda uma pinta rosada abaixo de cada olho. Era bem bonitinho o Neco. Ele conhecia as passadas de meu marido que era quem o alimentava: ração e água fresca a cada manhã. Mal ouvia aquele som, punha-se a piar com insistência. Também era curioso vê-lo agitar-se quando o carro de seu dono entrava em casa. Ontem, aprendi um pouco mais sobre aves e animais em geral. Nós nos deixamos cativar julgando que o bichinho tem sentimentos como os humanos. E sofremos muito além do normal nos cobrando atitudes devidas a eles. Aprendi sobre eles e sobre nós mesmos:..." os poderes canoros e aeronáuticos de um pássaro...são para nós como para eles, o mais sutil dos nossos poderes meramente instintivos".
(  Subliminar - como o inconsciente influencia nossas vidas - Leonard Mlodinow). Assim, acalmei minha consciência e não mais me punirei ao lembrar-me de como o gato agarrou e levou o Neco, noite adentro. Para as crianças, inventamos um fim mais civilizado, mais palatável; menos selvagem ou cruel. Elas aceitaram que, ao ser atacado pelo gato, Neco voou para bem longe, onde vive feliz com seus iguais.

Misterioso é que entregamos à eternidade nossos queridos idosos ou doentes e seguimos em frente. E nos apegamos a esta avezinha como se fora uma criança indefesa que chamara por nós sem ser atendida. Este registro é para me convencer de que eu e você não devemos ter pendências emocionais com ninguém, como dizia o Walter, amigo de minha filha. Agora, estou em paz!

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Da Liberdade

Aprendi, desde muito criança, que somos seres livres. Temos, portanto, liberdade de escolha, livre arbítrio. Em tese, posso dispor de mim mesma. Aprendi também que essa liberdade sofre restrições quando eu limito o direito do outro.

Com todo o susto e muitos questionamentos, vi o ataque à revista "Charlie Hebdo"que, tristemente resultou em doze mortes, de seus principais caricaturistas. Reflito como pessoa comum, sem muito conhecimento sobre o conteúdo das charges que faziam. Ouço que eles se diziam ateus e no direito de blasfemar. Sim, quem em nada acredita pode zombar de tudo e de todos, à vontade. Também li que, pelo menos um líder islâmico, lhes dissera que tais zombarias poderiam causar ira aos fiéis seguidores de Maomé.

Hoje mesmo, li de um cronista da Folha de S. Paulo, que ter respeito por alguém não é coisa boa. E que não se deveria pôr um "mas" nas atitudes dos caricaturistas, ao se refletir se eles não exageraram em suas críticas ao modo de agir islâmico. Justificaram-se que o deboche costumeiro e contundente era endereçado também aos católicos e autoridades. Era o exercício da liberdade. Contudo, se estavam causando constrangimento e tristeza a outros, que os deixassem em paz.

Lembro-me ainda daqueles tais de " rolezinhos" que aconteceram em fins de 2013. Creio que não existem mais por força de alguma lei regularizadora. Não sou racista nem preconceituosa. Pessoas pobres e negras, bem ou mal - vestidas, podem e devem ir aos shoppings mesmo só para passear. Muitas vezes, tem dinheiro apenas para um sorvete de casquinha, do mais barato. E sabemos que tudo naqueles lugares é muito caro. No Brasil tudo é caro! Não são apenas os pobres que gostam de passear em grandes centros comerciais. Ali há maior segurança - neste Brasil, onde a cada dia se ouve mais de assaltos e mortes, por um quase nada - e o ambiente é mais fresco, neste verão incandescente.
Só que não vejo desculpa para duzentos jovens ( algumas vezes até muito mais) entrarem em alvoroço, todos juntos cantando música funk de ostentação (imagine o que é isso) - andando até correndo naqueles corredores estreitos; subindo e descendo escadas, fixas e rolantes, por onde andavam senhoras idosas, mães com crianças...No mínimo faltava bom senso. As pessoas que ali estavam, para comprar ou apenas estar não eram nem são culpadas por aqueles jovens de periferia se sentirem excluidos, fechados em sua miséria material, emocional e espiritual. Quem não rejeitaria este bando desgovernado que queria apenas "zoar, ficar e beijar?" Tirar a paz dos outros, assustar?

Então, muitos escreveram que eles eram uns coitadinhos, inocentes, uns amores maltratados. E a lei veio pôr ordem no comportamento da criançada: poderiam vir, não em bandos, gritando frases, correndo. Os menores de dezoito anos, deveriam chegar acompanhados de adultos. Isso é disciplinar, educar, palavras que muitos não querem ouvir porque isso é sinônimo de muito trabalho. Uma jovem disse que era tempo de  férias e ela nada tinha a fazer. Ficava, então, o dia inteiro  convocando os amigos pelas redes sociais. Ora, se esta "criança" tivesse a obrigação de cuidar ao menos das próprias roupas, não lhe sobraria muito tempo. Devemos ocupar bem o tempo de nossos filhos, desde bem pequenos. Sempre em esportes ou tarefas escolares e domésticas e menos redes sociais e Ipad e similares.

Estamos vendo e ainda veremos os desdobramentos deste ataque terrorista, em Paris. Estados Unidos, Inglaterra e o Vaticano ( quem diria!) já se puseram em  alerta de segurança máxima. Que isso não caminhe, em nome da Liberdade - para aos poucos irem tirando a nossa liberdade. Com a ideia de que vão -me proteger, já tenho mil olhos a me vigiar. Assim, vamo-nos acostumando com policiais por todo lado, pois o mundo não é mais um lugar seguro e o ser humano já não sabe conviver.

É preciso gravar que, se quero paz, devo ser promotora dela. Não devo fazer ao outro o que não gostaria que me fosse feito. Minha liberdade termina onde começa o direito alheio.