segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Da Colheita ao Chatô

Faz um bom tempo - e como faz! - participei de um projeto ( hoje extinto) da Federação das Entidades Assistenciais de Campinas, FEAC quando, então, selecionavam obras de arte, com temas natalinos e os transformavam em sugestivos cartões de Natal. Numa dessas oportunidades, um quadro de minha autoria fora escolhido para se tornar um cartão e ajudar com sua venda as entidades filiadas. Minha base inspiradora era uma paisagem rural que eu havia fotografado, no Sul de Minas, antiga parada dos trens, lá nos idos de 1800. O bucólico lugarejo chama-se Estação Dias. No fundo, as ondulações verde - azuladas da Mantiqueira sob um cerúleo de poucas nuvens. A um canto, focado e enquadrado com apurado olhar, erguia-se uma capelinha e um casario de parcos e opacos telhados de um vermelho envelhecido e queimado. Para sugerir uma ideia de fartura, afastei este cenário e coloquei uma plantação de trigo, em primeiro plano. Seria praticamente impossível encontrar-se trigo por aquelas bandas. No entanto, um recorte de jornal, mostrava uns camponeses, recolhendo trigo, numa fazenda do Rio Grande do Sul. Era apropriada a foto, apesar de ser em preto e branco. Um chapéu amassado, naquele formato viciado de quem sempre o segura com a mesma mão e com o mesmo gesto. Pareceu-me bom o resultado. Poderia ter-lhe dado o título  de " Campo de Trigo", " Fartura" ou outro qualquer, pois que o título em uma obra é o que menos importa. Mas, numa armadilha do destino, ou numa leve cruz a carregar, pus -lhe o título de " A Colheita". Pelo menos para duas ou três criaturas expliquei meu processo criativo, já que maliciosamente me dizia uma : Você é a Van Gogh de Campinas - talvez fosse um elogio ou um deboche disfarçado; outra, este chapéu é bem parecido com os dele ( Jesus! Percorri muitos trabalhos deste maravilhoso artista e  não encontrei nem um chapéu que ao menos de longe tivesse um traço daquele!) Uma terceira, com cara do opositor bíblico, destilou veneno de pura inveja ou frustração! Eu não entendia o porquê de tamanha agressividade.  Entristeci-me não ao ponto de  me adoecer. Mas conclui que muitos não suportam pessoas em seu nível de competência ou acima de seu narcísico destaque! Apesar de ter participado de muitos salões oficiais, ter recebido menção honrosa, medalha de ouro e participado de mostras coletivas e individuais, larguei a pintura, como ocupação principal e parti para a escrita, sobretudo para a poesia. Não espero ser reconhecida, contudo decepções podem acontecer.

Observo com atenção o que ocorreu com o ator, diretor e produtor Guilherme Fontes. Talvez, por inexperiência não administrara bem suas captações e seu próprio dinheiro ao desenvolver seu filme " Chatô - o Rei do Brasil", só agora, após vinte anos, nos cinemas. E quantas calúnias, suposições maldosas até condenações suportou. E não se sabe quanto gastará com multas ou se ainda deve muito. Imagino seu alívio ao apresentar este trabalho que tem recebido críticas positivas. Deve ter passado um inferno, nesse tempo todo. Imagino que, se no meu ínfimo caso as pessoas maldosas se ouriçaram e soltaram seu veneno, quanto mais neste cenário de fama e dinheiro! Que receba seus merecidos louros e retorno financeiro. Pois a fogueira de vaidades que ronda o mundo das artes, em geral queima até os ossos!

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Ópera de Copa e Cozinha

      Ia falar de outra coisa. Mas, lembrando a alegria contagiante de minha mãe - ela se chamava Maria Conceição - certamente homenagem a Maria, mãe de Jesus. Mamãe cantava enquanto fazia suas tarefas domésticas; às vezes chorava, como quase todo mundo chora, quando não esconde a dor. Mas sua característica marcante era o canto e o riso, largo, generoso de orelha a orelha. Na verdade, todo mundo alegre lembra-me de mamãe. Assim, também foi com Tereza.

Tereza seduziu - me com sua garganta de cristal ou seriam cordas vocais de ouro? Esta amiga especial tem seu registro vocal como soprano - creio eu em minha total ignorância musical. Já cantou em coros de óperas e corais, em teatros de Vitória, no Espírito Santo. A moça é de palco! Fazia muitos anos em que não nos víamos, apenas trocando frases no correio eletrônico. Tivemos uns dias de trocas emocionais, valiosos. A Internet é seca, fria. Não nos beija nem nos abraça; não nos olha nos olhos.
Depois dos efusivos beijinhos e abraços, olhares e exclamações; depois de ela dourar a cebola e murchar os tomatinhos, depois de almoçarmos o rosado bobó - de- camarão, tomarmos um reserva cabernet sauvignon e apurarmos o paladar com o alaranjado da sobremesa de mamão maduro, mesmo ao cafezinho Tereza ainda não tinha exibido sequer uma nota musical. Depois, uns foram cochilar, outros conferir seus e-mails até varrer a sala vi que fizeram...Havia sempre tarefa para quem se oferecesse.
Fomos eu e ela para a pia, apesar de seus protestos para que fosse usada a lava - louças. De repente, estava ali a soprano a solfejar um trecho de Carmen - Ópera de Bizet - com todas suas nuances e meandros, como um rio que sobe e desce ou despenca em cascata :
"...L'amour, l'amour, l'amour, l'amour...
L'amour est enfant de bohème. Il n'a jamais, jamais connu de lois.
Si tu ne m'aime pas, je t'aime. Si je t'aime prend garde toi...mais  si je t'aime..."

E eu que não pio nem como pardal, estava a fazer coro com ela como se de música entendesse. Mesmo porque amo a língua francesa e esta ópera é das mais populares!? Continuamos em nosso ensaio nos outros dias: enquanto eu descascava batatas e as amassava, minha amiga artista - seduzida por Bizet - preparava uma torta. Cantávamos  culminando naquela apoteose! A louça foi lavada, enxuta, lustrada e guardada em seus devidos lugares. A torta ficara pronta. Tereza estava iluminada! Sua alma vazava alegria por todos os poros; faíscas divinas nos envolviam! E, ao " grand final", caímos na gargalhada como crianças travessas: éramos Pavarotti, Carreras, Domingo, quiçá a grande Callas!...Cheguei a ouvir aplausos, podem crer!
Isso é o que passo a chamar de " Ópera de Copa e Cozinha".