quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Ópera de Copa e Cozinha

      Ia falar de outra coisa. Mas, lembrando a alegria contagiante de minha mãe - ela se chamava Maria Conceição - certamente homenagem a Maria, mãe de Jesus. Mamãe cantava enquanto fazia suas tarefas domésticas; às vezes chorava, como quase todo mundo chora, quando não esconde a dor. Mas sua característica marcante era o canto e o riso, largo, generoso de orelha a orelha. Na verdade, todo mundo alegre lembra-me de mamãe. Assim, também foi com Tereza.

Tereza seduziu - me com sua garganta de cristal ou seriam cordas vocais de ouro? Esta amiga especial tem seu registro vocal como soprano - creio eu em minha total ignorância musical. Já cantou em coros de óperas e corais, em teatros de Vitória, no Espírito Santo. A moça é de palco! Fazia muitos anos em que não nos víamos, apenas trocando frases no correio eletrônico. Tivemos uns dias de trocas emocionais, valiosos. A Internet é seca, fria. Não nos beija nem nos abraça; não nos olha nos olhos.
Depois dos efusivos beijinhos e abraços, olhares e exclamações; depois de ela dourar a cebola e murchar os tomatinhos, depois de almoçarmos o rosado bobó - de- camarão, tomarmos um reserva cabernet sauvignon e apurarmos o paladar com o alaranjado da sobremesa de mamão maduro, mesmo ao cafezinho Tereza ainda não tinha exibido sequer uma nota musical. Depois, uns foram cochilar, outros conferir seus e-mails até varrer a sala vi que fizeram...Havia sempre tarefa para quem se oferecesse.
Fomos eu e ela para a pia, apesar de seus protestos para que fosse usada a lava - louças. De repente, estava ali a soprano a solfejar um trecho de Carmen - Ópera de Bizet - com todas suas nuances e meandros, como um rio que sobe e desce ou despenca em cascata :
"...L'amour, l'amour, l'amour, l'amour...
L'amour est enfant de bohème. Il n'a jamais, jamais connu de lois.
Si tu ne m'aime pas, je t'aime. Si je t'aime prend garde toi...mais  si je t'aime..."

E eu que não pio nem como pardal, estava a fazer coro com ela como se de música entendesse. Mesmo porque amo a língua francesa e esta ópera é das mais populares!? Continuamos em nosso ensaio nos outros dias: enquanto eu descascava batatas e as amassava, minha amiga artista - seduzida por Bizet - preparava uma torta. Cantávamos  culminando naquela apoteose! A louça foi lavada, enxuta, lustrada e guardada em seus devidos lugares. A torta ficara pronta. Tereza estava iluminada! Sua alma vazava alegria por todos os poros; faíscas divinas nos envolviam! E, ao " grand final", caímos na gargalhada como crianças travessas: éramos Pavarotti, Carreras, Domingo, quiçá a grande Callas!...Cheguei a ouvir aplausos, podem crer!
Isso é o que passo a chamar de " Ópera de Copa e Cozinha".

2 comentários:

C.Regina disse...

ah! me senti no municipal,
obrigada amiga por dividir comigo essa emoção. Adorei.

C.Regina disse...

ah! me senti no municipal,
obrigada amiga por dividir comigo essa emoção. Adorei.