quarta-feira, 6 de julho de 2016

Festa Junina

Faz tempo, quando chega junho ponho- me a pensar numa festa junina que aconteceu na minha infância. E questiono se não seria porque eu era muito criança que aquela festa pregou -se em minha memória e se tornaria uma de minhas saudades mais acalentadas. Meu tio Vicente, um belo rapaz que despejava alegria para todos que o rodeavam, apaixonara-se por Ana, vendo-a no meio de uma multidão, quando o azul dos olhos dela se cruzaram com o cerúleo dos olhos dele. E foi uma paixão frondosa, robusta e invejável. Ela, que tinha o apelido carinhoso de Anita, era minha madrinha e eu gostava muito dela. Não sei dizer qual dos dois era mais alegre. A diferença maior era que ele gostava de dançar e ela era mais caseira. Contudo, não o apoquentava quando se fantasiava e saía em bloco de carnaval ou se vestia de caboclo nas festas juninas. Não falarei do amor e do carinho com que minha mãe falava dele, seu irmão caçula: eles se entendiam muito bem. Contudo, aqui só quero-me lembrar daquela noite de encanto. Chegamos à casa de madrinha Anita dois dias antes do sábado festivo. Era muita informação para meu cérebro de sete ou oito anos: havia um entra e sai de criados ou parentes, cada qual sabendo de sua função, orquestrados pela maestrina: uma finalizava o doce- de- casca- de laranja, de abóbora com coco, de mamão e de cidra; outra despejava sobre a pedra mármore o pé- de- moleque, outras pregavam as bandeirolas: muito barbante, cola ( de goma - arábica) eu só observava. Brincávamos num imenso pátio, onde começaram a erguer um altar, uma enorme fogueira e os três mastros com as bandeiras dos santos Antônio, João e Pedro. No sábado, logo ao amanhecer, já havia muita lida na casa. Homens fortes carregavam lenha da carroça para o centro do pátio. A fogueira, rapidamente mostrou- se imponente; aquilo para mim era algo fantástico. E chegavam ainda mais ajudantes dos arredores mesmo lá das alturas da serra. O cenário emoldurado pela Mantiqueira era uma obra de arte. E prepararam pamonhas, canjica, biscoitão, linguiças, pernil e pastéis de farinha de milho; a pipoca deixaram para arrebentar mais à noite. O quentão se apurava em enorme caldeirão. Aqueles homens alegres, colegas de meu tio, que tinham o descanso apenas no domingo - trabalhavam na Usina de São Bernardo, pertencente à Companhia Sul Mineira, geradora de eletricidade para Itajubá e algumas poucas cidades em derredor. Então, meu tio e esses amigos se revessavam nos diversos trabalhos pendurando os muitos metros de bandeirolas... Naquela noite mágica, alguém acendeu a fogueira que imponente dominava a cena; enorme mesa de quitutes, com atoalhado branquíssimo, exibia orgulhosa toda essa gama de cores e sabores que meus olhos não abrangiam. Minha avó iniciou a festa recitando uma parte do Rosário e pedindo proteção a Deus - com os rogos dos três santos homenageados - e me recordo que crianças, jovens e adultos acompanharam com sincera devoção. A partir do final da reza, os sanfoneiros e violeiros entraram a tocar. Meu tio e muitos homens vestidos à moda rural - como se julga até nossos dias - e as jovens ornamentadas com flores nos cabelos e vestidos de babados, com rendas e fitas ou chapéus dançavam animadamente. Lembro-me de que a dança chamada quadrilha era marcada em língua francesa, pois de fato sua origem é europeia, mais precisamente da elite parisiense. Era uma brincadeira muito divertida e alguns solteiros saiam desta festa já com namorada. A madrugada surgia e as pessoas não se animavam a despedirem- se... Ainda ficamos por lá no domingo. Eu fora com minha avó, de charrete e regressaríamos a Itajubá desta mesma forma. Assim, na segunda - feira algum funcionário nos levaria. Dormi de tão exausta pois a excitação era demasiada para a criança que eu era e meus primos ainda mais novos. Hoje, festa junina não tem graça : as pessoas não se animam a se fantasiarem; as comidas são grosseiras, algumas até industrializadas; as músicas numa espécie de show sertanejo que de sertão nada tem. Não vejo a quadrilha marcada nem em português quanto mais em francês... Pode ser que lá pelo Sul de Minas ainda mantenham esta festa folclórica que lembra a abundância das fazendas até os anos sessenta. Agora, vou pôr a dormir minha saudade que um pouco deste sonho distante já revivi enquanto escrevi.