sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Das Nuanças da Personalidade

Quando criança e adolescente, fui uma pessoinha tímida e muito introvertida. Pouco conversava em casa com meus pais e irmãos, apesar de sermos uma família de sete pessoas - crianças e adultos falantes, agitados até cantantes. Minha mãe era uma contadora de histórias e cantarolava enquanto executava suas muitas tarefas domésticas. Dentre os irmãos, pelo menos dois eram extrovertidos - cantavam até em público e ainda contam suas piadas e histórias cercados de olhares curiosos...A menina quieta e pensativa era muitas vezes criticada; meu pai, porém, entendia aquele jeito introvertido e discreto pois também ele era de pouco falar, mais pensativo e filosófico em seus juízos. Meu marido é um homem silencioso, focado no que faz, fala só o essencial. Algumas vezes, ele se envolve em conversas de temas específicos e a fala flui magistralmente. No entanto, socialmente tem dificuldade de se  misturar e interagir. Somos introvertidos, sem com isso  dizer incapazes de rir muito e falar coisas inteligentes ou tolices impróprias, de vez em quando. Em nossa idade adulta, ouvimos muitas observações maldosas, sobre pouco falar de um e muito falar de outra, na visão de quem se julgava com a perfeição em sua personalidade extrovertida ou pessoas sem o menor senso de realidade até educação.
Nestes dias, ouvi uma palestra de Susan Cain:- " The Power of introverts"- onde ela chama atenção para que se valorize os introvertidos. Vemos desde meados do século XX até hoje que empresas e a sociedade como um todo valorizam mais os indivíduos extrovertidos, que fazem muitos contatos e conquistam outra dezena de amigos em poucos meses. Aqueles que se esforçam para agradar, para serem o centro das atenções e receberem os aplausos - seu alimento diário. Há os que saem de um evento qualquer já com uma agenda gorda de muitos nomes e datas para encontros futuros. Não esperam ser convidados; eles convidam e programam seus desejos. Gostam de exibir centenas de amigos que mal conhecem, nas redes sociais, ou são " seus seguidores". O introvertido - segundo a palestrante - e confirmo na minha parcela de introvertida - odeia trabalhar em grupo; prefere fazer seus estudos e resolver seus problemas individualmente - quase sempre rende muito mais e o resultado é de ótima qualidade. O trabalho em grupo os tolhe, em parte bloqueia sua ação.
Quando se somam a introspecção e a timidez, o indivíduo introvertido se questiona sobre o revelar-se demasiadamente. Volta, então, para sua redoma de vidro, sua zona de conforto de onde não desejou sair. É um presente divino quando um introvertido encontra outro semelhante. Alma gêmea a compartilhar com poucas palavras até só com um olhar ou um sorriso complacente, como a dizer:-
 " hoje, só por pouco tempo, estarei aqui fora..."
Sejamos nós extrovertidos ou introvertidos precisamos exercitar a tolerância e enxergarmos o valor de cada pessoa, com as nuanças características de sua personalidade. Ninguém é formatado em  um só aspecto. Temos a cor mais acentuada de um extrovertido ou a cor mais pálida do introvertido, sem com isso valorizarmos um mais que o outro. Urge valorizar o introvertido, pois a partir de suas reflexões, temos tido ao longo dos anos, os pensamentos filosóficos e teológicos, as ideias brilhantes dos cientistas, dos escritores e poetas, dos monges e  de todos que deixam um pouco a extroversão e entram na solidão criativa e no silêncio eloquente. Já o Cristo Jesus, que tinha uma exuberante personalidade - depois de muito ensinar e curar - afastava-se de seus amigos e permanecia por muitas horas da noite, em meditação e oração. Era reavaliar seu dia e abastecer-se para o trabalho do dia seguinte. Bom exemplo este do Mestre que acolhia a todos, sobretudo aos mais difíceis.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Lamento da Natureza

Ouço o pesado e rouco lamento
da bem- te- vi solitária.
Está a se esconder do vento,
a refrescar seu corpo
sob a touceira de murta!
O amarelo quente do sol
não promete chuva.
A passarinha chama seu amor
que traga alimento para seu rebento
que acaba de nascer...
A esperança se junta nos cúmulos,
mas os cirros dissipam o desejo.
Vejo a insistência dos pios
e supro a carência com banana
e a pureza d'água.
Juntam -se aos pássaros
a palmeira seca e as flores
que gemem a implorar socorro.
Tomara tudo amanheça molhado,
e a natureza se ponha a cantar,
sem fome nem sede nem lamento. 

Dilúvio

Os primeiros pingos d'água foram como timidez de criança de seis anos...
Vieram inocentes como quem brinca de esconde - esconde, intermitentes, fingindo fraqueza.
Achei-me num barco de parca madeira, com apenas duas janelas, no andar superior, veladas por espessas cortinas.
Ali, poucos entraram e nada nem ninguém saía.
Depois de um tempo, a moleza d'água solapando as frágeis estruturas desse barco corpóreo, o estrondo dos trovões, descarga elétrica percorrendo todo o ser...
O dilúvio se instalara!
A tormenta varrera o céu de minhas entranhas mesmo o da emoção e o do pensamento!
O barco balançava desgovernado, sem amparo nem qualquer referência de sorte!
Do meio do caos, uma voz:
- " Espera, vai passar!"
Como, aliás, tudo passa, nesta vida.
Mas havia o medo. Ah! O medo! O medo ameaçava ruir toda a embarcação.
Cantando a ladainha dos santos, suplicando uma trégua aos céus, bichinhos irmãos, um velho leão e uma leoa lúcida...
No meio do barco, num arco de aura cristalina, o altar do sacrifício.
Ali, eu sacrificara novecentos dias de angústias, em muita lágrima, como água salgada. Como lágrimas dos que tudo perdem.
Depois, na exaustão do sofrimento, o resgate. O cheiro bom de terra molhada e o equilíbrio restaurado.
Vencera a vida! Se eu tivera o dilúvio só cá fora, não me transformara. Eu fora uma lagartixa muda e assustada. Renascera uma sabiá cantante!

sábado, 2 de janeiro de 2016

Questão de Consciência e Compaixão

Temos ouvido o tempo todo sobre intolerância religiosa, preconceitos de todo tipo e um mundo atordoado em plena agitação e temor de guerra, no ar que respiramos.
Muitos de nós já vivemos meio a deboches e seguimos em frente, sem baixa estima, sobretudo os que fomos bem educados e valorizados pelos nossos pais e familiares. Há uns com inteligência parca comparados com outros mais inteligentes; há muitos bonitos - homens, mulheres e crianças - que se exibem diante da irmã feia ou do irmão com alguma deficiência. Sem pudor, cometem gafes e faz piadas idiotas. Alguns exemplos me vem à memória: a excelente cantora e atriz Barbra Streisand - estrábica e com nariz inadequado a seu rosto, teve algumas sugestões para fazer cirurgia plástica e torna-lo mais aceitável a seu fotógrafo. Nunca se deixou levar por estes comentários maldosos; seguiu em frente com sua maravilhosa voz e ganhando muitos prêmios tanto na música quanto pelos filmes. Outro, o cantor Juca Chaves encarou ele mesmo o avantajado nariz que mereceu uma modinha, cantada e aplaudida em todos os seus shows. Uns tem olhos muito espaçados e grandes, outras os tem muito apertados, como Carla Bruni. Vemos os atores, o francês " beiçudo"  P. Belmondo e norte- americano J. Malkoviche, estrábico, nem de longe um modelo de beleza. Mas seduz pelo seu enorme talento. Estes são apenas alguns de muitos exemplos a serem seguidos. Quando falarem de nossos supostos  ou reais defeitos físicos e comportamentais, desarmamos o agressor levando na brincadeira. Você pode apenas sorrir ou perguntar se ele está com inveja?
Ou nós rirmos de nossos pontos fracos: se sou muito alta, ou muito baixa ou acima do peso...Se eu mesma aceito e brinco com o que seria zombado, tiro o argumento do outro que se sentirá vazio.
Neste último mês, estive em uma clínica de oncologia e o que vi sobre aparência e carências muitas das pessoas que ali frequentam, tocou-me profundamente. Ao meu lado, uma senhora totalmente calva, optara por não esconder sua falta de cabelos. A maioria está calva ou com cabelos bem ralos. Mas são muito criativas: a moça de frente, muito bem maquiada, prendeu o estampado de seu lenço num feitio de trança que ficou muito bonito; outra, usava um gorro colorido. A um canto, um idoso descansa ou sucumbe com a cabeça apoiada entre as mãos. Outro segue a se arrastar, muito frágil, sustentado por uma jovem, talvez uma filha. Sempre vejo uma senhorinha idosa, que se veste de chita e calça chinelos. Chega constrangida como se estivesse a transgredir. Vai ao balcão, marca presença e arruma um assento. Seu chapéu é de palha, mas não tem o estilo bonito daqueles de praia, próprios para senhoras. É um chapéu masculino, porém, ela carrega seu desânimo com dignidade, cabeça erguida, sob o amarelado do chapéu velho. É uma figura exótica, mas sua preocupação é a cura; isso é tolice. Vi também o jovem de perna amputada com ares de aceitação; câncer nos ossos, certamente.
Nestes dias em que ali estive, recebi ensinamento para o resto da vida. Foi como se um enorme sino de bronze caísse sobre minha mente e despertasse minha consciência sonolenta, não mais adormecida. Pois creio que estas pessoas, jovens ou velhas, jamais olharão os seus semelhantes comparando a cor da pele; os cabelos lisos, ondulados ou crespos, seus olhos, orelhas nem outros detalhes. Precisamos ser gratos a Deus se temos saúde completa. E os que ainda vivem presos na arena do preconceito e da ignorância deveriam dar uma passadinha semanal numa dessas clínicas. Quem sabe um sino de bom senso, no peso de enorme sino de bronze caia também sobre suas mentes e encontrem coisas mais úteis para falar e comecem a praticar a compaixão.