terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Dilúvio

Os primeiros pingos d'água foram como timidez de criança de seis anos...
Vieram inocentes como quem brinca de esconde - esconde, intermitentes, fingindo fraqueza.
Achei-me num barco de parca madeira, com apenas duas janelas, no andar superior, veladas por espessas cortinas.
Ali, poucos entraram e nada nem ninguém saía.
Depois de um tempo, a moleza d'água solapando as frágeis estruturas desse barco corpóreo, o estrondo dos trovões, descarga elétrica percorrendo todo o ser...
O dilúvio se instalara!
A tormenta varrera o céu de minhas entranhas mesmo o da emoção e o do pensamento!
O barco balançava desgovernado, sem amparo nem qualquer referência de sorte!
Do meio do caos, uma voz:
- " Espera, vai passar!"
Como, aliás, tudo passa, nesta vida.
Mas havia o medo. Ah! O medo! O medo ameaçava ruir toda a embarcação.
Cantando a ladainha dos santos, suplicando uma trégua aos céus, bichinhos irmãos, um velho leão e uma leoa lúcida...
No meio do barco, num arco de aura cristalina, o altar do sacrifício.
Ali, eu sacrificara novecentos dias de angústias, em muita lágrima, como água salgada. Como lágrimas dos que tudo perdem.
Depois, na exaustão do sofrimento, o resgate. O cheiro bom de terra molhada e o equilíbrio restaurado.
Vencera a vida! Se eu tivera o dilúvio só cá fora, não me transformara. Eu fora uma lagartixa muda e assustada. Renascera uma sabiá cantante!

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