sexta-feira, 27 de julho de 2012

A Carne Queimada

     A Carne Queimada

     Foi um pequeno esquecimento.
     Florinda e Orminda viviam na mesma casa. Um pequeno sobrado, na rua Mourato Coelho, Vila Madalena, em São Paulo. Florinda já contava setenta e cinco anos e Orminda setenta e dois. As duas, solteiras e com algumas posses de herança e uma parca aposentadoria, sempre faziam suas refeições em um modesto restaurante, na rua Fradique Coutinho. Como aniverssariaram respectivamente em maio e julho, resolveram oferecer um almoço aos sobrinhos, recém chegados a S. Paulo. Florinda pensou em feijoada. Orminda concordou e lá foram às compras. Tudo certo, separadas as carnes mais fáceis, Florinda pôs a carne seca de molho por duas horas. Agora, daria uma fervura de cinquenta minutos para adiantar seu almoço do dia seguinte. Cobriu a carne com nova água e principiou o cozimento. Orminda já estava vestida para irem almoçar e apressava Florinda. Esta subiu ao quarto, banhou-se, perfumou-se e desceu apressada. A irmã a esperava na rua; tinha hora certa pra tudo. Muito mais para o almoço. Sairam tagarelando, especulando se os sobrinhos lhe trariam presentes, se estavam mais bonitos...Almoçaram e decidiram comprar sorvete que seria uma boa sobremesa; prática e gostosa. Subiram a ladeira meio sem fôlego, carregando a lata de sorvete. À frente da casa, Orminda olha a irmã com espanto, e franzindo o nariz a interroga se aquele cheiro horrível não seria sujeira de cachorro mal educado. Florinda sonda o ar, respira fundo e conclui que é poluição mesmo. Afinal, em S. Paulo vivemos com irritação nos olhos e o ar é pestilento. Passa um transeunte e, ouvindo as ponderações, concorda que o cheiro é muito estranho e ruim. Orminda gira a chave, abre a porta e arregala os olhos levando a mão à boca e nariz. Florinda adianta e percebe a casa toda envolta em densa e escura fumaça; o cheiro pestilento tudo envolve.  Corre e apaga o fogo. Da água resta apenas uma colherada; a carne tornou-se um carvão. Abrem as janelas e a porta da cozinha. Florinda proibe que se abra a porta da rua. Ligam o ventilador na posição de exaustor. Combinam nada dizer às visitas. Ainda à hora de dormir a casa está empestiada. Torcem para que no dia seguinte o cheiro tenha- se ido.
     Decidem que comprarão a feijoada pronta e dirão que foram elas que fizeram. Assim fica mais carinhoso, elas pensam.
     Naquela manhã de sábado, elas limparam o chão com sabonete líquido, gastaram quase o frasco inteiro de purificador de ar até velas acenderam. Orminda foi comprar a feijoada completa e trouxe também flores. Tudo ajeitado, quando os sobrinhos adentraram a casa, a primeira coisa que a jovem falou foi uma observação sobre aquele cheiro estranho. Florinda fez ares de curiosa e Orminda, segurando o riso, arrematou:
- É a poluição, meus queridos. É a poluição. Vocês que vem de Campinas não fazem ideia do sufoco em que vivemos.
     Serviram o almoço recebendo elogios e depois que os sobrinhos partiram as duas senhorinhas cairam na gargalhada.

Um comentário:

Unknown disse...

Adorei!!!! A história é verídica? Muito bom, beijo!