quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Ritos de Passagem

     Na verdade, não fiz hoje nem por estes messes passados, nenhuma mudança em meu viver que justificasse algum rito marcante. Celebramos, é correto dizer, o nascimento de meu Senhor e Salvador, Jesus, o Cristo. Sinceramente, Jesus que me desculpe, seu aniversário está muito deturpado, avacalhado mesmo. É a festa da gastança e do estômago; o " amigo secreto" querendo aparecer com o melhor e mais caro presente e furioso de ter recebido algo que julga de inferior qualidade...
      Hoje, celebro meu aniversário de casamento. Sem festa, sem alarde, sem os filhos nem os netos. Contingências normais. Estamos saudáveis e felizes, isso é o que importa. Um cumprimento que nos chega do outro lado do mundo é mais que champagne e caviar; muito mais que violino e rosas vermelhas.
     Tenho ciência de que estamos prensados entre o nascer e a derradeira hora; estes são os dois ritos de passagem mais significativos do ser humano. Antes de nascer, com todos os preparativos médicos e de total envolvimento familiar, de posse do sexo da criaturinha começam a especular sobre o nome da criança. Logo após o nascimento, a criança é registrada com seu nome pomposo ou simples e seguem-se as incansáveis e obrigatórias visitas; trazem presentes e recebem lembrancinhas de gratidão. Depois, a cada ano, é um evento palaciano o ritual de passagem, com festa para familiares e amigos, envolvendo garçons, decoradores temáticos, uma parafernália que não existia há anos! Observo ainda certos ritos religiosos que uns seguem pela crença, outros para não se sentirem excluidos, como acentuou minha amiga de Fortaleza. Disse que batizaria a filha para que esta não fosse diferente das outras. Isso é como você comer papelão molhado porque a maioria o está comendo!
Os cristãos - católicos batizam seus filhos ainda bem novinhos; os evangélicos praticam o rito de mergulharem-se em rios ou lagos já adultos. São esses ritos que conferem a essas pessoas um carater transcendental. Ainda são levados a ritos mais envolventes, quando fazem promessas e renúncias de grande complexidade, mesmo não entendendo completamente sobre o que estão falando - afirmando ou negando. Assim também os judeus e os membros de outras religiões e seitas.
     Quanto ao sombrio rito de passagem para outro estado de ser - ou não ser, melhor dizendo - às vezes há longa preparação, se a pessoa arrasta vida afora uma doença crônica ou incurável. Durante este rito de passagem, muitos não se permitem o choro; fingem força, coragem ou fé. Não percebem que é terapêutico esvaziar nas lágrimas cansaço e frustração, tudo o que a partida do ente querido lhe impõe. Nos tempos longínquos, as pessoas pranteavam o morto durante seu velório e aqueles malvados, que não tinham quem lhes pranteassem, pagavam as tais carpideiras a gemer e clamar durante a noite inteira, quiçá arrancando seus próprios cabelos, enquanto o morto seguia em cortejo até o campo santo. Depois, as pessoas mais íntimas se vestiam de preto por um ano e, aos poucos, iam tirando o luto com roupas mais claras até voltarem ao estado normal. Vi ao menos duas viuvinhas namoradeiras em pleno luto, cujos vestidos pretos, muito decotados, deixavam à mostra os níveos colos convidativos. Nenhuma dor as assaltava, contudo, o ritual de passagem para esse novo status social exigia esse selo exterior.
     Os ritos de passagem não desaparecerão. Estão cada vez mais sofisticados. Festas de casamento - que duram por vezes apenas alguns meses - consomem cifras absurdas, incentivadas pela mídia, pelo gosto efêmero da fama ou de apenas ser notícia.
     Seja a dor, seja o amor; seja a fé ou uma iniciação qualquer, o rito de passagem poderia ser bem mais intenso se não se fizesse dele tanto alarde.
    

Nenhum comentário: