terça-feira, 22 de setembro de 2015

Decisão

Ontem, encontrei-me com Olguinha, minha amiga de infância. Estava bastante triste, carregando a melancolia causada com a recente perda de sua mãe, aos 89 anos de idade. Final áspero e exaustivo pois sua mãe perdera a lucidez, fundamental para minimizar o trabalho de filhos e cuidadores. Foi uma surpresa ouvir dela - sem muita conexão com seu desamparo e dor - a respeito de sua decisão - tomada há cerca de quarenta anos - de não se casar.

Éramos amigas - irmãs e ela me contava quase tudo, do pouco tudo que era nossa vida, naquela pequena cidade, no sopé da serra da Mantiqueira. Até os 21 anos não tivera namorado  nem um amigo tivera. Naquele tempo, meninas direitas não tinham amigos. Podiam ter colegas de classe cujos olhares não se cruzavam. Incrível, como poucas moças namorassem os colegas de classe. Eram como irmãos. Ou talvez porque os outros mais velhos passassem a ideia de serem mais responsáveis. Foi assim que num dia qualquer, Olguinha me disse que estava namorando um tal de Walter. Fazia apenas uns vinte dias e ele chegava até perto de sua casa mas não entrava. Só entraria depois de meses, se estivessem muito bem afinados. E a cada manhã, enquanto viajávamos de ônibus - escolar para  dar aulas numa escola distante, ela me contava sobre o jeito do namorado. Numa noite, ele lhe trouxera flores e nem era seu aniversário! Na semana seguinte, bombons. E ela falava disso com desdém, com risinho debochado mesmo. E eu lhe dizia que isso era prova de amor, no mínimo sinal de boa educação ou de uma tática romântica para conquistá - la.  Assim foi acontecendo por uns sete meses e ela a reclamar das gentilezas do bom moço. Uma vez, confidenciou - me que eram muito parecidos, por isso ela não o queria: não eram os opostos que se atraiam? A reposta estava ali; a começar pela estatura, a cor morena da pele - " ele consegue ainda ser mais queimado que eu" - não ligar para cinema nem bailes...Cismava até que ele dizia não gostar de cinema só para concordar com ela. E isso a irritava ainda mais. Pois bem, numa manhã de domingo resolveu acabar com esse lero- lero : falou de repente, sem muito pensar, pois se pensasse era capaz de não dizer. Depois disso, o tempo voou nas asas de um colibri ou de alguma coruja agourenta. A mãe até chorou. Moço como aquele era muito difícil de encontrar: médico competente, bom  caráter, não era feio. Mas, quando não se ouvem sinos - diz a lenda - é porque aquele não é o tal. Até agora, aos 69 anos não ouvira as badaladas do amor. E nem ela mesma notara que se arrependera de ter dispensado o homem que lhe demonstrara tanto amor! Só com a morte da mãe, o silêncio barulhento não a deixa dormir!

Quando se é jovem, talvez se queira experimentar os diferentes tipos de emoções, sentimentos realçados por homens desiguais. E, numa dessas decisões equivocadas, dispensamos a pérola preciosa e ficamos com o cascalho. Ou fazemos como Olguinha que ficou sem ninguém. Envolveu-se com a mãe que casamento é algo muito trabalhoso e filho, nem pensar!

Certa ela ao dizer que se arrependera daquela decisão juvenil, foi um desabafo. Contudo, ainda na velhice é possível arranjar um companheiro. Perguntou -me se eu sabia do Walter. Bem que sabia: estava casado e com três filhos, morava em Taubaté. Menti que não sabia. Pra que alimentar um arrependimento que já machucava tanto aquele coração?

Prometi telefonar muito mais e passar lá de vez em quando. Mas quem nos garante que nosso companheiro ficará conosco por toda a vida? Se viveu sem ele até agora, o resto da jornada deve ser bem mais curto.   

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